LOBISOMEM DE JOANÓPOLIS
Joanópolis – A terra do Lobisomem
Joanópolis uma pacata cidade do interior Paulista localizada a 115 km da capital com pouco mais de 10 mil habitantes, fundada no dia de São João, uma cidadezinha de interior com tudo que tem direito para tal, inclusive mitos e lendas.
Mas porque ela é conhecida como a cidade do Lobisomem?
Em 1983 a folclorista Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima resouveu investigar por que a cidade tinha tantas histórias de lobisomem e com esta investigação levou a folclorista escrever um livro, o “ Lobisomem assombração e realidade”, com isso a cidade acabou ficando conhecida como a cidade do Lobisomem.
O tal Lobisomem surgiu de um arraial de São João em 24/06/1878 quando moradores da cidade vizinha de Piracaia resolveram erguer uma capela ao santo. O Lobisomem de Joanópolis não é mau pelo contrario ele é uma figura simpática, só assusta as pessoas porque elas correm dele.
Hoje o forte da cidade é o turismo em torno do lobisomem, tem chaveiro, camisetas, aguardente, vinho, diversos trabalhos artesanais que podem ser vistos e adquiridos na casa do Artesão da cidade, e não para por ai tem também os passeios de aventura na trilha do lobisomem e até uma Associação dos criadores de Lobisomem.
O Lobisomem reaviva o costume de contar causos no interior, o mito estimula o turismo da cidade e floresce o lado lúdico e cultural da região.
Sou da cidade de Piracaia que fica muito próximo de Joanópolis e por aqui também se fala muito no assunto, acho importante estar falando sobre este fato folclórico pois é muito forte na região.
O mito Lobisomem e suas estórias
Eis o que conta o folclore:
Quando um casal tem sete filhos, sendo todos homens, precisa que o mais velho batize o mais novo, para que nenhum deles se torne lobisomem. Homens amarelos, pálidos, magricelos são tipos como lobisomens. De quinta para sexta feira é que, os que têm a sina, viram lobisomem. Havia uma senhora que sauí com seu marido e filho pequeno enrolado no cueiro vermelho. Depois de terem viajado alguns dias, seu marido lhe disse uma noite: “Olhe, fique com este porrete, caso algum animal a ataque, surre-o com pancadas”. E saiu dizendo que voltava logo. Não demorou muito a mulher foi atacada por um cão muito grande. Defendeu-se, com bravura, e quando viu que o cão atacou a criança envolta no cueiro. Com as cacetadas, conseguiu ferir o cão, que ao sentir seu sangue fugiu. Ela percebeu que algum animal espojou-se por ali, e logo por alguns minutos seu marido apareceu com um ferimento nos supercílios que sangrava. Ela cuidou dele e foram dormir, no outro dia, quando estavam conversando a mulher percebeu que ainda restavam fiapos de cueiro entre os dentes do marido, e ficou sabendo que ele era lobisomem. Entretanto, porque tirara sangue com as cacetadas, o encanto fora quebrado e ele nunca mais se transformou em lobisomem. O lobisomem sai às sextas feiras, e quando é gente negra vira cachorro branco e guando é gente branca vira cachorro negro, e sai para comer fezes de galinha e se não encontra nenhum galinheiro, procura crianças para lamber o cueiro ou as fraldas. No entanto, eles só podem ser encontrados antes que o galo cante. Porque quando o galo canta, quebra o encanto, temporariamente. Eis porque os caipiras deitam-se cedo e levantam-se após o galo cantar... Estão evitando encontrar um lobisomem...
Porque este tema?
È de grande importância aumentar o conhecimento sobre este tema, pois se trata de uma riquesa cultural do povo, sua historia, um saber popular, porque é um patrimônio imaterial da região e tem que ser passado a diante para que não se perca com o tempo. A pesquisa foi realizada com Sr. Valter Cassalho Presidente da Associação de Criadores de Lobisomem (ACL) e Secretario da Comissão Paulista de Folclore (Ibecc-Unesco)
Sr. Lobisomem é entrevistado pelo Sr. Valter Cassalho (entrevista sem cortes fornecida pelo próprio Sr Cassalho)
Foi de grande satisfação estar realizando esta entrevista, visto o interesse pelo tema com o entrevistado e a importância do assunto por ele tratado, pois todos tem se beneficiado de alguma forma com a divulgação e popularidade do lobisomem.
Lobisomem
O povo do lugá
Por valente conhecido,
Tem medo que se pela
Do bicho desconhecido.
É sempre ao meio dia
Que falam do danado,
Quando anoitecer principia
Fica tudo bem calado.
Pois não é brincadeira
Encontrar o lobisomem
O bicho que morde gente
E inté criança cóme.
O bicho se despenca
Do alto da morraria
Perseguido pelos cachorros
Em terrível gritaria.
Correndo como doido
Se cortando nos espinhos
Ele não respeita nada
Que encontra no caminho.
Na sua triste sina
De correr a noite inteira
Deus livre quem o encontra
Numa escura sexta-feira.
Mordido vira logo
Lobisomem também
E na outra sexta-feira
É um outro que o mundo tem.
(Extraído do livro Lobisomem: assombração e realidade/1993 – Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima.)
Entrevista com o Sr. Valter
- Conhece a lenda do lobisomem de Joanopolis?
Sim mas não é linda e sim um mito
- Como e quando tomou conhecimento sobre ele?
Desde criança ouvindo historias sobre ele, e depois quando adulto através da Sra. Maria do Rosário a maior especialista no assunto e neta do fundador da cidade
- Já teve algum contato mais próximo com o lobisomem?
Sim todos os dias.
- Como é esta experiência?
Ao falar sobre ele estamos divulgando o seu mito
- O que você acha da cidade de Joanópolis ser conhecida como a cidade do lobisomem?
Acho ótimo, afinal fui um dos articuladores deste fato.
- O que isto traz de bom ou de ruim para a cidade?
Isto só traz coisas boas, ajuda o turismo, o fluxo de visitantes cresceu, resgatou histórias, valoriza o folclore.
- O que é feito para que este mito não acabe e continue sempre vivo para os moradores e turista que vem para a cidade?
O mito tem que ser alimentado, e isso se faz falando sobre ele contando historias.
- Você acredita que um dia este mito venha a ser esquecido devido o desenvolvimento e a tecnologia?
Depende de como a cidade e a sociedade tratar e alimentar ele. Dificilmente o mito morre, ele é sempre reinterpretado em novas versões ou roupagens.
- O que é feito para que o mito não se acabe?
Temos encontros, debates, anualmente acontece o FORUM DE COISAS DO ARCO DA VELHA, produzimos souvenires e uma lista de artesanatos sobre ele. Enfim CRIAMOS Lobisomens.!
Entrevista na integra do Sr Cassalho com o Lobisomem. Entrevista esta fornecida pelo próprio entrevistador.
VC – Em primeiro lugar você é uma lenda ou um mito?
LOBISOMEM – O lobisomem não é lenda, lobisomem realmente é um mito, ou seja, eu tenho uma existência individualizada dentro do mundo sobrenatural, tendo função social e antiga, dando origem e explicações a alguns fatos. Sendo que lenda seria apenas o relato deste mito. Portanto, não sou uma lenda e sim um Mito, mito universal presente em todas as culturas nas mais diversas épocas.
VC – Tudo bem, mas o que vem a ser o lobisomem?
LOBISOMEM – Sou um grande cachorro preto, de pelos eriçados, olhos faiscantes. Como cachorro tenho altura média de 1,5m e em pé posso passar de 2,00m de altura. Percorro sete cidades em uma única noite e antes do amanhecer volto ao lugar de origem. Minha sina é correr sob a proteção da lua cheia, assustando aqueles que estão pelo caminho.
VC – E de onde vem o lobisomem, como chegou ao Brasil, qual sua origem?
LOBISOMEM – O primeiro lobisomem é grego, foi o rei Licaon que se viu transformado em lobisomem por oferecer carne humana num ritual a Zeus. Roma teve seus homens lobos e o mito espalhou-se por toda a Europa, inclusive Portugal, de Portugal para o Brasil e acabamos por chegar a Joanópolis no século XIX, onde o clima de montanhas e mística permitiu nossa excelente adaptação. Porém, a existência as vezes harmoniosa e muitas vezes competitiva do homem e o lobo datam da pré-história com inúmeros feiticeiros querendo transformar-se neste animal.
VC – O que determina um ser humano virar um lobisomem?
LOBISOMEM – Existem várias formas, a mais comum é ser o sétimo filho de uma seqüência de homens, assim o caçula será lobisomem. Vira lobisomem também quem tira sangue de um lobisomem e as vezes por alguma maldição de feiticeiros ou até por vontade própria.
VC – Por vontade própria????? Como assim ?
LOBISOMEM – Na antiguidade muitos queriam através de rituais virarem lobisomens, na Idade Média e mesmo na Idade Moderna, muitos foram enforcados, queimados vivos e torturados, em especial na França, sob acusação de tornarem-se lobisomens. Nestes rituais utilizavam-se de um cinto de pele de lobo, erva dormideira e ungüentos com gordura de gato. Além disso, pode virar lobisomem aquele que se espojar onde um lobo se deitou de quinta para sexta-feira santa, colocando sob a língua terra do rastro de um lobo e fazendo algumas esconjurações. O lobo dada a sua virilidade, astúcia e poder de caça sempre causou grande inveja ao ser humano.
VC – Na vida normal você é um homem comum, correto? Como faz para virar o bicho?
LOBISOMEM - Na vida diária sou um homem magro, sobrancelhas unidas, cotovelos calosos, pálido, orelhas grandes. Numa quinta para sexta-feira de lua cheia chego numa encruzilhada, tiro minhas roupas, espojo-me no chão e me transformo. O resto todos sabem.
VC – Você mata e ataca as pessoas? Como convive assim numa cidade pequena?
LOBISOMEM - Jamais se tem noticia do lobisomem no Brasil ter matado ou atacado alguém! Nossa sina ou fadário é percorrer as cidades, nada mais! Hollywood infelizmente pegou o lobisomem e criou o estereótipo de mau, matador e cruel. No folclore brasileiro, no meu universo isso não existe. Ao encontrar com um de nós, basta encostar e deixar a gente passar. O brasileiro tem convivência pacífica, harmoniosa e natural com seus mitos.
VC- Em Joanópolis, sua capital, você saiu das encruzilhadas e foi para mídia, virou personalidade, isso foi bom ou mau?
LOBISOMEM – Para Joanópolis foi bom, divulgou a cidade, revitalizou as histórias dos mitos e outras assombrações mais, reavivou a memória das pessoas, redescobriram o lado lúdico e cultural do povo, voltaram a contar “causos” e falar de suas assombrações. Para os lobisomens também foi positivo, mas nossa agenda vive cheia e todo mundo quer ver e fotografar o lobisomem, no entanto, fotografar um bicho que corre tão rápido e só sai a altas horas, não é tarefa fácil e não gostamos muito de flashs. Hoje estou abrindo um exceção à Folha. À vezes me preocupo, pois como ensina Maquiavel “é melhor ser temido do que amado”.
VC – Halloween lhe preocupa?
LOBISOMEM - Sim, pelo fato de ser uma cultura estrangeira que não está vindo de forma espontânea como todo fenômeno folclórico, mas sim como cultura de massa, de mídia e consumista. Nada contra as bruxas, muito pelo contrário, elas possuem ótimas e antigas histórias, com suas vassouras e caldeirões repletos de informações de uma passado distante. O que preocupa é a sobre-posição cultural estrangeira, onde acabam dando mais valor às culturas vindas de fora do que aquelas que são brasileiras e fazem parte do povo brasileiro.
VC – Para encerrar, uma mensagem aos nossos leitores.
LOBISOMEM – Os lobisomens inauguraram em Joanópolis o Turismo do Imaginário, desta forma gostaria que outras cidades também valorizassem seus sacis, cucas, mulas-sem-cabeças, curupiras e assombrações. Desejo um feliz Dia das Bruxas a todos, mas às bruxas de verdade, as wiccas, aquelas lá da Europa que realmente praticam e fazem parte da tradição antiga dos Celtas ou aquelas que mantém o folclore europeu vivo e dinâmico sem consumismos. O Halloween não é apenas festa de danceterias e bailes a fantasias, vão muito além disso, são culturas antigas que merecem estudos e respeito, assim como a mitologia brasileira que merece maior divulgação e conhecimento. Se você vier a Joanópolis, a gente se cruza por aqui. Auuuuuu!!!!!!
Considerações finais
Foi uma delicia fazer esta atividade pratica, a entrevista me diverti muito escutando as historias, os contos. Pude perceber que a cidade realmente vive o lobisomem, por onde você anda tem alguma coisa dele, um mimo, um detalhe, e pude notar nas pessoas com que conversei sobre o assunto, que elas têm um carrinho com o lobisomem, tratam como se realmente ele existisse de verdade. Falam dele com liberdade. É uma cidade voltada para o turismo local onde tudo contribui para o bem do folclore.
Dedico este trabalho em homenagens a Folclorista Sra. Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima, falecida aos 90 anos no dia 14/05/2011.
Referencias:
http://www.piracaiahoje.com.br
Livro Cultura vozes nº 4 volume 94 ano 2000
Livro Picando fumo crônicas da roça de Valter Cassalho, 1997
Livro Lobisomem: assombração e realidade/1993 – Maria do Rosario de Souza Tavares de Lima.
WWW.portaldejoanopolis.com.br
http://www.marcosbueno.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3&Itemid=3
http://www.marcosbueno.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5&Itemid=6
http://hdmichblak.blogspot.com/2011_02_13_archive.html
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